Há exatos 40 anos, no dia 19 de janeiro de 1982, Elis Regina nos deixou.
Nos deixou incrédulos e perplexos por seu desaparecimento precoce.
Nos deixou atordoados pela consciência dessa perda e por sua dimensão.
Nos deixou devastados por não mais poder ouvir em vida sua voz inigualável.
Nos deixou com sede de rever suas performances vibrantes, de ouvi-la cantar e também contar sobre si e sobre o mundo — ela que nunca deixou de ser autêntica, no palco ou fora dele.
Nos deixou saudosos de sua espontânea e desmedida risada que transformava a mulher bonita numa menina sapeca.
Nos deixou nostálgicos de seu entusiasmo e até mesmo de sua tão humana e sincera combatividade contra tudo aquilo que a perturbasse — traço de personalidade constantemente ressaltado durante sua vida e que continua sendo após sua morte.
Nos deixou uma vontade imensa e vã de — com ela — vivenciar tudo de novo.
Durante todos esses anos tivemos que nos conformar a não mais esperar pelo próximo disco, pelo próximo show, pelas primorosas e intensas interpretações, as prodigiosas tiradas, as inteligentes e corajosas declarações e tomadas de posição. Tivemos que aceitar o fato de não mais poder acompanhar, nos deliciar, nos comover, alegrar e impressionar com a camaleônica, eletrizante e singular artista e cidadã que ela personificou.
Através de sua arte e de seu modo de ser, Elis representava com arrebatamento um Brasil potente. Como toda grande artista, possuía o dom e a vontade de ampliar horizontes e de fazer com que seu talento notável ajudasse a amenizar sofrimentos — desejo esse perfeitamente sintetizado na canção “O primeiro jornal”, de Sueli Costa e Abel Silva, que ela lançou e que começa dizendo:
Quero cantar pra você
Segunda-feira de manhã
Pelo seu rádio de pilha, tão docemente
E te ajudar a escalar esse dia mais facilmente
Quando se tornou nacionalmente conhecida — da noite pro dia —, com apenas vinte anos, em abril de 1965, no I Festival da Música Popular Brasileira, exibido pela TV Excelsior, Elis Regina inaugurou para ela e para a música do Brasil — movendo-a e levando-a consigo, como num arrastão — uma nova cena e uma nova era. Como tudo o mais, em se tratando dela, também a rapidez de sua escalada foi impressionante: o período de tempo entre esse momento de explosão inicial até sua morte não chega a completar 17 anos.
Em apenas pouco mais de uma década e meia, Elis se tornou uma artista suprema em seu país e, igualmente, em termos de prestígio, uma das maiores cantoras do planeta, reverenciada como alguém do primeiro time universal por todos que, globo afora, tomaram conhecimento de sua arte — fosse o público, os críticos ou outros artistas. E tudo isso ela conquistou cantando em português numa época em que o mundo ainda não era globalizado.
Extrapolar limites — e nos maravilhar —, foi das coisas que ela mais fez no tempo em que esteve por aqui e há inúmeros exemplos de sua excepcionalidade como artista. Um deles nos é dado pelo músico Roberto Menescal no texto da contracapa do álbum “Elis Regina in London” — registrado em 1969, quando ela tinha somente 24 anos, e lançado no Brasil após sua morte —, em que ele diz: “O LP foi gravado em apenas 2 períodos, ou seja, uma manhã e uma tarde, numa gravação para nós sui generis por entrarmos num estúdio com 46 músicos ingleses, os quais não conhecíamos, 1 maestro que conhecemos na véspera, 1 produtor com o qual mal tínhamos falado na viagem anterior e, como um milagre, tudo aconteceu, e com um detalhe importantíssimo: Elis colocou a voz ao mesmo tempo em que se gravava a banda toda. Esse milagre só foi possível por ter sido Elis Regina”. Ouvindo o disco, é quase inacreditável que ela o tenha gravado assim, ao vivo, junto com toda a orquestra, em apenas um dia.
Porém, esse e outros “milagres” seus — que ainda nos mantêm fascinados e perplexos — não aconteceram “apenas” por conta de seu dom descomunal ou por seu ímpeto de constante evolução e superação. O extraordinário alcance de sua arte e o encantamento que ela continua a suscitar, tudo isso se deu e se dá, também e sobretudo, pelo fato de seu canto ter sido nutrido, desde o princípio, por uma intensa pulsão de vida que o fez soar e se propagar, franca e ardentemente, tomado de amor até o fim.
ilustração: arte digital a partir de grafite de 1984.
Que lindo texto dá saudades de uma época
querida, obrigado! sim… muita saudade boa. 🙂
Como ainda dói a falta que Elis faz…! Mas tuas palavras revivem sua curta e intensa passagem por aqui. São um alento pra saudade de Elis. Obrigada, Dudu Sperb !
eu que agradeço, Dionara querida! que bom ler isso… um beijo!
Que intensidade de percepção e transmissão de quem, como Dudu, tem tamanho para se nutrir da grandeza, da beleza, da amplitude da Elis! A tua comunhão com ela transborda na tua capacidade de transferir a pulsação da arte de um ser humano, que nutre quem tem sede de qualidade de vida significativa!
querida Mukti, muito contente com tua percepção… 🙏🏼✨
Lindo texto! Viva Elis!
viva! ✨❤️✨
Belíssimo texto! Pura poesia em prosa!❤
obrigado, Matheus! abraço. ✨🌿
Que maravilha de texto!
Tua sensibilidade nas interpretações e com as palavras emociona. Grande abraço. ❤️
obrigado, Carla querida! ✨🌸✨
Nós a tivemos por 36 anos, 10 meses e 2 dias, inteira, intensa, imensa, infinita.
verdade, querida Beth. e depois disso, ainda, para sempre. ✨❤️✨
só agora leio: mais uma bela resenha sobre a vida de uma diva da música. quantas infs. interessantes me trouxe. gracias, dudu!
Marcele querida, que coisa boa, fico muiuto contente que vc gostou. um grande beijo! 😘🌸🌿