Desde 1988 vamos pra Gamboa, nossa praia da vida e de sonhos em Santa Catarina. Nessa época, ela era apenas uma pequena vila de pescadores, só existia uma pousada com um único telefone disponível – frente ao qual havia sempre fila pra se ligar a cobrar pra casa –, quase tudo se adquiria num mesmo mercadinho e havia poucos lugares pra se beber e comer.
Lá, conheci algumas pessoas que se tornaram parte da minha vida, amizades pra sempre, outras menos perenes, porém marcantes, e vivi alguns dos meus melhores momentos – tanto quando era solto no mundo, quanto depois de ter formado família.
Há um sem fim de lembranças, histórias e pessoas para recordar.
Por ser um lugar tranquilo, de natureza exuberante, plena e inspiradora – sobretudo naqueles primeiros tempos –, constantemente me dava vontade de desenhar, de modo que sempre levava nas férias papéis, lápis e, se possível, alguma tinta e pincéis. Apesar disso, nunca desenhei muito estando lá. Era tanto encanto em dias tão cheios de vida e alegria que eu acabava não “precisando” verter tudo aquilo em outras imagens, não necessitava de novas representações: as daquela onírica realidade eram mais do que suficientes para aplacar a minha sede de belezas. Além disso, me dedicar mais às ilustrações também me tomaria tempo, e eu tinha sede de andar, admirar, farejar, absorver e sentir intensamente tudo aquilo. Talvez por isso eu tenha desenhado tão pouco e, em contrapartida, fotografado tanto.
Mesmo assim, durante esses anos, concebi alguns desenhos – fosse porque uma fotografia não pudesse dar conta do que eu via; fosse porque as condições atmosféricas não permitissem se fazer muito mais do que jogar, ler ou desenhar; fosse pela pura vontade de riscar o papel; fosse simplesmente para justificar o fato de ter trazido na bagagem todo aquele material.
Três dos desenhos que compartilho aqui foram feitos em 1990 – aparentemente o ano em que mais me empolguei e me dediquei a executá-los. O primeiro representa uma vista que não existe mais – pelo menos não exatamente assim –, pois daquele lugar de onde se avistava essa paisagem, que era uma das janelas da casa do Seu João, há muito não se alcança esse panorama em razão das inúmeras construções que passaram a obliterar sua visão. Além disso, mesmo que ainda fosse possível percebê-la daquele único e preciso ângulo, tudo nela própria ou próximo a ela se modificou. Essa foi uma das primeiras vistas da Gamboa que eu amei. Era exatamente isso que se via da janela que dava para o norte naquela habitação onde fiquei na primeira e na segunda vez que fui pra lá. Por eu não ter uma boa câmera, quis representar pelo desenho, de forma mais aproximada, exatamente o que eu via: aquele morro perfeito ao longe – uma pequena parte da Serra do Tabuleiro –, por detrás do morro da entrada da Gamboa. Em primeiro plano, avistam-se as cabanas dos fundos da casa de D. Anita e se pode notar o tanto de verde e o pouco de construções que existiam no meio da praia, nessa época.
No segundo, apenas rabiscado em grafite e que também mostra o horizonte na direção noroeste um pouco mais à esquerda, se avista ao fundo outra parte da mesma Serra, completamente enuviada, um pedacinho da estradinha na entrada da vila, a torre da Igrejinha e alguns outros telhados das construções daquele centrinho onde igualmente se encontra a escola. Para observá-lo, suponho, devo ter me fixado numa posição um pouco mais elevada, em relação àquela do desenho anterior.
O terceiro, lembro bem, fiz sentado na porta do Bar do Aurino – quando recém tinha se mudado da estrada para o morrinho à beira da praia e ainda era um lugar pequeno. Esse foi um dia de ressaca forte em que o mar adentrou a praia depositando muito sargaço na areia. O céu era chumbo, o mar estava todo mexido e o riachinho, que normalmente chegava nele como um córrego manso, tinha se expandido incrivelmente pela água da chuva, lavando a areia e levando consigo metade da quadra de vôlei.
A próxima imagem, uma pinturinha em guache, foi feita num dia ventoso e nublado, no verão de 1995, e mostra o fim da praia, a Ponta do Faísca e a Guarda com seu morro singular.
No desenho seguinte – posicionado quase no mesmo ângulo do guache –, onde mais me detive foi no registro das nuvens. Sopradas pelo vento nas alturas, se amontoavam de forma inusitada, distendidas sobre o mesmo morro. Tinha chovido e, por isso, o céu ao longe ainda estava carregado. Mas na praia, com o mar já mais límpido e sereno, havia aquela luz difusa que por vezes se dá depois da chuva e que, de forma muito passageira, causa uma sensação incomum, quase enigmática, por conta do contraste inesperado entre zonas mais claras e outras mais escuras dividindo o espaço ao mesmo tempo. Feito às pressas de modo a tentar reproduzir com mais cuidado a forma das nuvens que voavam ligeiras – e por isso se remodelando rapidamente –, o esboço mal e mal traz um vislumbre dessa luz.
A sexta imagem, quase uma aquarelinha, não possui data anotada, mas penso ter sido feita em meados dos anos 2000, motivado sobretudo por aspectos de composição que achei interessantes, pela divisão da cena e pelos contrastes entre o interior – com a cadeira, o boneco da Maria, a peça de um antigo engenho – e o exterior da casa.
Por fim, outra ilustração a grafite que, ao contrário das demais, não evoca uma paisagem específica, mas flerta um pouco com o universo da HQ e do cartum, e é como que uma alegoria da Gamboa, ou de coisas dela apenas sugeridas, como os surfistas, as cabanas, a praia e suas pedras, o vento, a janela de uma casa – e foram tantas em que paramos! –, a música e a nossa presença: nós, os “gringos”, a gente de fora que vinha em busca de um tempo de prazer e alegria supremos, de um viver intenso e ao mesmo tempo relaxante, do encontro consigo, com os amigos e com a natureza, algo que aquele lugar extraordinário sempre nos proporcionou.
E é assim que pequenos desenhos contam e rememoram pequenas histórias de um grande lugar que eu amo.
Que delícia viajar em nossas boas lembranças, né?! Curti muito viajar nas tuas. Amei teus registros.
Alda querida, sim! relembrar é reviver, é amar de novo, tudo de outro modo. adorei que curtiste. beijos grandes!
Realmente deliciosas essas tão boas evocações que revelam algumas das tuas vocações!! 🤗 obrigaDudu!!!
ahahahaha! Roberto querido, pois é… sigo “enganando sem artimanha”, por conta da “estranha magia” que me “acossa” – como bem escreveste um dia! eu que te agradeço. abraçãozão!
Que lindo, Dudu! Conheci a Gamboa lendo teu texto e desenhos! Te ouvir cantar, ler teus textos e desenhos é sempre um aprendizado! Obrigado pela tua arte!
obrigado, Marta querida! 🙂 <3
Dudu, esses teus desenhos da Gamboa evocam um tempo que vivemos intensamente ,conhecemos pessoas que passaram por nossas vidas,outras que permanecem até hoje.A Gamboa,apesar de não ser mais a mesma daquela época, sempre será um lugar especial pra mim ,que guardo no coração e que faz parte da minha vida e
das minhas lembranças. Obrigada,querido amigo.
Bela querida, quantas coisas boas vivemos juntos por lá, quanta memória! obrigado pela mensagem. beijos grandes!
Querido Dudu este texto de tuas recordações de Gamboa me fez um toque carinhoso e mágico no coração ,das minhas vivências em Garopaba. Tudo tão simples, natural, afetivo…nossa relação com os pescadores e outros moradores.
Aquela praia de areia branca que ia até o morro do Morongo que era vista da janela da nossa casa ou a caminhada matinal com aquela imensidão a nos abraçar…e dia de lua cheia ir ao Morro da Vigia e ficar meditando vendo e sentindo aquela beleza do momento….
Tivemos a graça de viver a real natureza que nos energizar até hoje com estas recordações
Saudades de todos!!!!
Egle querida, que bom suscitar essas recordações todas! tanta beleza naquelas praias, né? que bom… fiquei muito contente com teu comentário, obrigado. um beijo grande e também saudoso!