A querida Elida Tessler, artista visual aqui do RS, cujo processo de criação se encontra sempre envolvido com as palavras e sua investigação, em outubro de 2022 inaugurou, no Centro Cultural da UFRGS, uma exposição chamada PALAVRAR, que deverá permanecer em cartaz até o final deste ano.
Dessa vez, o suporte escolhido por ela foram pratos de porcelana que trazem, cada um, uma palavra impressa. Eles foram distribuídos nas paredes internas e externas do Centro Cultural, “paramentando os paramentos” dessa edificação, em arranjos constelares.
Em constante relação de diálogo e sempre interessada nos processos participativos, novamente ela contou com a interação de várias pessoas que escolheram, cada uma, uma palavra de um prato, dentre muitas possibilidades, e definiram o local onde gostariam que ele fosse pendurado. Durante o processo de montagem, fui um dos que tiveram o prazer de colaborar nessa dinâmica.
Sabedora da minha relação com a música e de minhas composições, numa das conversas que tivemos, sempre entusiasmante, Elida me fez um comentário com um suave tom de proposição: e se eu, Dudu, me inspirasse naquilo tudo e criasse uma canção?
Sendo eu alguém também guiado por trocas, ideias e, mais do que tudo, levado pela intuição, me interessei por aquela adorável provocação. Mas o modo como isso acabou acontecendo é que foi, pra mim, o mais improvável.
Sempre considerei a letra a parte mais difícil na feitura de uma canção. As melodias afloram com mais facilidade, ao passo que as palavras eu necessito burilar e burilar, chegando por vezes a só conseguir finalizar uma letra com o passar de um bom tempo. Já houve casos em que isso chegou a levar mesmo alguns anos. Dessa vez, porém, o que veio primeiro foi justamente a parte escrita. E, embora eu a tenha concebido considerando ritmos, rimas, reverberações, enfim, sentindo e cuidando de alguns atributos “musicais”, pelo menos de saída eu não pensei na finalidade específica dela vir a compor uma música. Inicialmente, ela aconteceu apenas como um texto com características “melodiosas”, como um poema.
Até que um dia, finalmente mostrei-a pra Elida. Generosa e sempre interessada, ela ficou num contentamento que, também, uma vez mais me motivou. De tal modo que fui direto pegar o violão pra ver se sairía alguma coisa. Comentei que meus processos são sobretudo espontâneos, instintivos. Novamente, a música se impôs, imediata, quase pronta. Isso já me aconteceu inúmeras vezes. Porém, naquele caso, por ser um tema tão específico e decorrente de uma situação bastante peculiar, isso me soou mais surpreendente e significativo. Assim nasceu a canção Palavrando.
Em breve, pretendo registrá-la e disponibilizá-la nas plataformas digitais. Por ora, entretanto, transcrevo aqui apenas a letra. Desse modo, quem se interessar terá um pouco a ideia do processo pelo qual eu passei, e a própria Elida também, ao termos que — conhecedores da letra — , aguardar um certo intervalo até se ouvir a melodia que esse texto acabou por me inspirar.
E, provavelmente por ser fruto dessa nossa troca e de um processo de experiências, ela me veio no gerúndio, “palavrando”, valorizando o tempo, o decurso em que as coisas acontecem, sua duração e continuidade, como costuma acontecer com aquilo que se prolonga e marca um período, feito uma estação ou uma safra.
Segue, abaixo, a letra.
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PALAVRANDO (Dudu Sperb) – para Elida Tessler
SAFRA DA PALAVRA
A PALAVRA LAVRA, LAVRA
FIRME NO FIRMAMENTO
A PALAVRA É LIDA PLENA
FLUTUANDO FEITO O VENTO
NA PALAVRA VOU MIRANDO
PALAVRANDO, BRANDO, BRANDO
PROSANDO DE PARAMENTO
A PALAVRA TRAZ A CENA
TREINA A VOZ E O ENTEDIMENTO
NA PALAVRA VOU SONHANDO
PALAVRANDO, ANDO, ANDO
👉🏽 ouça a canção aqui: https://open.spotify.com/intl-pt/track/6HR5hht8ACueSFNeDJT4S9