Processos

Tudo é processo, é ação continuada.

Por mais acabada que uma produção se afigure, o que se tem no final é sempre um somatório. São momentos, estágios, atividades que se sucedem, realizações nas quais desenvolvemos habilidades, apuramos a sensibilidade, acumulamos experiências.

Em minha pequena prática com a arte da gravura, senti bem os efeitos disso, talvez por elas serem executadas, inevitavelmente, em termos de tempo e de procedimentos, em etapas bastante definidas, nas quais, entre outras coisas, é preciso cuidado, concentração, paciência e perseverança.

Na xilogravura (em que se grava na madeira com goivas), pude perceber de forma bastante concreta o quanto os procedimentos são determinantes: depois de cavada, de retirada a matéria, não se pode retroceder. É igual à vida; não há como desfazer o que se fez, e cada novo passo depende do anterior, da sucessão dos acontecimentos. Tudo é processo. É preciso aprender a aproveitá-lo.

Quando cursei a cadeira de Hélio Fervenza, no Instituto de Artes da UFRGS – lá por 2011, após quase 30 anos da minha formação em Artes Visuais no mesmo espaço –, era um momento em que eu pretendia me ambientar novamente com a academia para, talvez, tentar ingressar no mestrado (o que acabei optando por não fazer). E, embora a questão estética estivesse sempre presente, por eu estar num ambiente de estudo e minha prática na xilo estar apenas começando, me foquei mais no aprendizado e na experimentação do que no resultado final.

Uma das obras que então realizei, e que mostro aqui, foi uma xilogravura feita com a técnica da “matriz perdida”. Nela, apenas uma (mesma) placa de madeira é utilizada para dar origem a diversas impressões. Assim, após cada registro de cor, essa matriz é retrabalhada, é entalhada novamente e, dessa forma, perde-se a possibilidade de fazer uma nova impressão da etapa anterior, uma vez que sua superfície já se alterou por conta dos novos cortes. Por isso, nesse método, o resultado depende (ainda mais dramaticamente) da precisão do projeto inicial, de se seguir seus passos criteriosamente e da justeza dos gestos e ajustes. E, mesmo assim, há sempre o acaso.

Outro detalhe que amplia a complexidade desse procedimento é o fato do número de cópias final ser radicalmente definido e limitado logo no começo: é na primeira impressão de cor, pela quantidade que fizermos dela, que irá se estabelecer a tiragem total daquele trabalho. E, como nesse processo “gastamos” toda a nossa matriz, como ela não permanece, não há como se fazer uma nova série dessa obra.

Ainda, como nas gravuras com mais de uma impressão é preciso ajustar bem a sobreposição de cores (o que se torna mais complexo quanto maior for a quantidade delas, de cores/impressões), se não fizermos cópias suficientes para regular com um mínimo de acerto essas justaposições, arriscamos de concluir nosso trabalho sem conseguir nem mesmo uma única boa reprodução.

No caso da gravura que mostro aqui, realizei seis impressões, ou seja, utilizei seis cores em sua criação. A primeira, foi em amarelo, como se pode ver na Imagem 1. A segunda, em rosa. Porém, como não cheguei a imprimir uma cópia dessa fase, coloco aqui apenas uma amostra do tom de rosa que usei (Imagem 2). Na Imagem 3, que mostra a impressão em laranja, percebe-se bem o quanto eu já havia cavado na madeira (a parte branca na impressão corresponde ao que foi suprimido na matriz). E, assim por diante, nas Imagens 4, 5 e 6 segue o progresso do trabalho com as mudanças drásticas que a matriz foi sofrendo, consecutivamente. A Imagem 6, aliás, cuja impressão fiz em azul escuro, mostra o pouco de superfície da placa que restou na finalização. Somadas, as seis impressões resultaram na gravura que abre a postagem.

Como curiosidade, as Imagens 7, 8 e 9 mostram três impressões distintas que foram realizadas durante o processo apenas com o intuito de verificação de efeitos de corte, de ajuste de registro, de tons e relações das cores etc. Cada uma delas foi impressa utilizando dois estados diferentes de entalhe na matriz, o que também resultou em imagens com expressões completamente distintas.

O que restou dessa gravura finalizada, em termos de tiragem (de cópias), foi quase nada – até porque, como comentei, mais do que me preocupar com a relevância artística, o que eu buscava era o exercício possível no tempo restrito de uma aula.

Para criar essa imagem, me inspirei numa colega de aula, a querida Camila Zarembsky, jovem artista visual e música e que posteriormente (ela, sim) fez mestrado na Polônia, terra de seus ancestrais. As águias são, de forma lúdica, uma referência a essa herança.

Imagem 1 – Amarelo (primeira impressão)
Imagem 2 (não há registro dessa matriz impressa, apenas indico aqui o Rosa que foi usado na impressão)
Imagem 3 – Laranja
Imagem 4 – Vermelho
Imagem 5 – Azul Claro
Imagem 6 – Azul Ascuro (última cor impressa)
Imagem 7 – impressão alternativa (fase matriz Amarelo + fase matriz Laranja)
Imagem 8 – impressão alternativa (fase matriz Laranja + fase matriz Vermelho)
Imagem 9 – impressão alternativa (fase matriz Vermelho + fase matriz Azul Claro)

10 comentários em “Processos”

  1. Luanaa Limaah

    Interessante eu estar pensando mto nos últimos tempos o quanto é mais interassente as paisagens do caminho , que a própria chegada…😉😘

  2. Dudu! Muito interessante tuas reflexões; todas calcadas na transformação da matéria, muito detalhado e preciso. Todas as xilos diferentes e com beleza própria. Beijos!

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